domingo, 20 de setembro de 2015

O Transmilenio de Bogotá

Em maio de 2013, graças a algumas milhas aéreas que tinha acumulado, tive a oportunidade de adquirir uma viagem prêmio para qualquer destino na América do Sul, na qual eu escolhi conhecer a capital colombiana e o sistema de BRT -Bus Rapid Transit- que serviu de modelo de mobilidade urbana a ser exportado para outras cidades do mundo, e quis observar com meus olhos os pontos positivos e negativos desse sistema que se autointitula massivo.
Como toda metrópole de milhões de habitantes, a cidade de Bogotá apresenta percalços no seu cotidiano, dentre eles o trânsito intenso e o transporte público completamente desregulamentado. A partir do ano 2000, a iniciativa do então prefeito Henrique Peñalosa em tomar uma série de medidas que buscassem uma melhora na mobilidade da população e na qualidade de vida através do transporte público, da recuperação de espaços urbanos e da maior aderência ao uso da bicicleta resultou em uma série de mudanças na estrutura viária da capital colombiana, dentre elas a introdução de um sistema de ônibus articulados de circulação com faixas exclusivas à sua circulação e estações de embarque e desembarque em seu percurso, o sistema BRT conhecido como Transmilenio. A operação é fruto de uma parceria público-privada, com a criação da "Empresa de Transporte del Tercer Milenio"-TRANSMILENIO S/A, pública mas de operação privada através de um consórcio de empresas, é responsável pela manutenção das vias e estações, da frota de veículos e da bilhetagem eletrônica.
Rede do Sistema Transmilenio de Bogota atual. Fonte: www.transmilenio.gov.co


Na criação do sistema Transmilenio, a cidade foi dividida em diferentes zonas, baseadas na concentração de habitantes e de serviços. Nas zonas mais centrais, o sistema segue pelas ruas de maior concentração de serviços, com estações estrategicamente localizadas junto a pontos de maior movimento como edifícios comerciais, pontos turisticos e universidades. Ao se afastar rumo aos bairros mais afastados, as estações se afastam consideravelmente umas das outras, até a chegada aos Portais, grandes terminais de transporte no final dos corredores nos bairros periféricos onde se possibilita a integração com outros modais de transporte como as linhas alimentadoras do sistema, as busetas (micro-ônibus) e as bicicletas, tendo cada terminal um amplo espaço de estacionamento das magrelas e uma ciclovia se conectando a ele. Por se tratarem de espaços com grande circulação de pessoas, é comum se localizarem próximos a esses terminais shopping centers e centros comerciais.
Corredor do Transmilenio na Avenida El Dorado, com faixa exclusiva e ciclovia

O Transmilenio foi uma iniciativa muito elogiada e inspiradora para outros sistemas de transporte ao redor do mundo. Na América Latina, cidades como Santiago, Mexico DF, Guatemala, Lima, Medellin, Cali, Caracas, Guayaquil, Quito e Buenos Aires desenvolveram sistemas semelhantes de transporte, em alguns casos sendo integrado a uma rede metroferroviária. No Brasil, o modelo de transporte seguido por Curitiba foi a inspiração para o desenvolvimento do Transmilenio, e muitas cidades do país desenvolveram sistemas semelhantes, como é o caso de São Paulo (Corredor ABD e Corredor Expresso Tiradentes), Rio de Janeiro (Transoeste, Transcarioca), Uberlândia e Goiânia, com outras cidades onde esse sistema ainda está em construção como Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre e Recife. Outra medida importante tomada por Bogotá foi o desenvolvimento de uma ampla rede cicloviária na cidade, com mais de 300 km, a maior da América Latina. Para o incentivo ao uso das magrelas, aplicam-se descontos aos clientes usuários do Transmilenio que usam as bicicletas para chegar aos Portais e Estações. Aos domingos e feriados, uma ampla quantidade de ruas da cidade são fechadas para a circulação de bicicletas. Outra medida foi atribuir a toda primeira quinta-feira de fevereiro o "Dia Sem Carro", onde veículos particulares estão proibidos de rodarem pelas ruas da capital entre as seis da manhã e as oito da noite, visando incentivar a maior aderência da população ao transporte público e bicicletas e melhorar a qualidade do ar. É um dia voltado para testes e observações na capacidade do sistema Transmilenio em termos de passageiros transportados.
No entanto, o desenvolvimento do sistema Transmilenio não extinguiu o que já era o principal modal de transporte na cidade: as busetas.
Operadas por várias empresas particulares, através de permissões atribuídas pelas Alcadía (Prefeitura), elas ainda desempenham um papel muito forte no transporte bogotano, atendendo a lugares fora do alcance do sistema Transmilenio, sendo que a falta do rigor na fiscalização desses veículos é evidente, com muitos deste circulando precariamente. A saturação do sistema Transmilenio também contribui para a manutenção desse sistema.
Busetas em Bogota
















A seguir, colocarei minhas observações sobre o panorama do sistema Transmilenio e do sistema de transporte durante minha estada em Bogotá, a respeito da estrutura do sistema e dos desafios observados.
Estacionamento de Bicicletas no Portal El Dorado

O Transmilenio teve sua primeiro corredor inaugurado em 2000 pelo prefeito Peñalosa, atualmente é responsável pelo transporte diário de cerca de 2.000.000 pessoas em Bogotá. Possui cerca de mil ônibus articulados (com capacidade para 150 passageiros) e bi-articulados (capacidade de 180 passageiros) identificados pela cor vermelha (articulados) e amarela (bi-articulados), que circulam em faixas segregadas nos canteiros centrais de vias de grande fluxo de Bogota, evitando os congestionamentos dos demais veículos. Foi inspirado no modelo curitibano, dos anos 70, onde o desenvolvimento dos corredores de transporte na cidade através de eixos incentivou uma ocupação do solo mais ordenada na capital paranaense. A diferença primordial dentre os sistemas de Curitiba e Bogota foi, no caso da capital colombiana, adaptar esse sistema a uma ocupação já estabelecida, por se tratar de uma metrópole de grande porte (6 milhões de habitantes) enquanto que Curitiba tinha 600 mil habitantes no início da implementação de seu sistema BRT, em 1974.
Estação Heroes do Corredor do Sistema Transmilenio na Avenida Caracas

O sistema conta hoje com 104 km de corredores segregados espalhados por importantes vias da cidade, e sete portais de integração ao final de cada um desses corredores: Portal El Dorado, Portal Usme, Portal Las Americas, Portal del Sur, Portal del Norte, Portal Suba e Portal 80.
A partir de cada portal saem linhas alimentadoras, pertencentes ao sistema e identificadas pela cor verde, que sem custo adicional conduzem os usuários para áreas próximas aos Portais com grande concentração populacional ou de serviços. Os portais também contam com estacionamentos de bicicletas, onde usuários podem usar cartões personalizados (ver Estações) para deixar sua bicicleta e ainda obter um desconto na passagem do sistema.
Linha alimentadora no Portal 80.

As Linhas:
Dentro do circuito de corredores do Transmilenio existem várias linhas, variando de acordo com o destino e pelo número de estações em que realizam parada. São identificadas por uma letra, que representa a zona a qual ela se dirige, e um número, que a distingue das demais.
É importante ressaltar que uma linha do Transmilenio não está restrita a somente um corredor, foram feitas intervenções viárias para o Transmilenio que permitem aos ônibus trocarem de corredor no caso de cruzamento. É importante também dizer que uma linha não necessariamente realizará parada em todas as estações de seu trajeto, existe pelo sistema linhas corrientes (que param em todas as estações do trajeto), diretas e expressas.
Existem em todas as estações mapas e esquemas de todas as linhas que atendem a aquela determinada estação e demonstrando em negrito quais são as estações que cada linha efetuará parada em seu itinerário.
 Rede e Zonas do Transmilenio


Estações e Ônibus:
As estações consistem em espaços cobertos dentro dos corredores onde é realizado o embarque e desembarque dos passageiros. São acessíveis na maioria dos casos por passarelas ou passagens subterrâneas que cruzam as pistas dos veículos em direção às calçadas. Lá existem Taquillerías (Bilheterias) onde se adquire o bilhete ou passe para acesso às plataformas por onde se acessam os ônibus. Podem ser adquiridos dois tipos de bilhetes:
-Tarjeta Común: Válido para uma viagem dentro do sistema Transmilenio incluindo linhas alimentadoras. Custa 1700 pesos, equivalente a 1 dólar.
-Tarjeta Cliente Frequente: Cartão recarregável onde se deposita uma determinada quantia de dinheiro, e a cada passagem nas roletas das estações se debita 1700 pesos. Pode ser recarregado em qualquer bilheteria de estação do Transmilenio.
-Tarjeta Personalizada: Cartão recarregável onde é efetuado um cadastro com os dados do usuário, pode ser usado para a obtenção de vantagens como descontos na passagem em fins de semana e uso dos estacionamentos de bicicleta nas estações e portais.

Usuário deixando sua bicicleta no Portal Suba.

Cada estação possui pelo menos uma área de embarque e desembarque conhecida como "Vagón" (vagão), caracterizadas por serem espaços cobertos separados da via por portas de vidro que somente se abrem quando o ônibus parar e abrir as portas rente às portas de vidro. A medida que mais linhas realizam parada em determinada estação, maior o número de vagões, onde cada vagão atende a um grupo de linhas que tenha um destino em comum, determinado pela sua zona.
As estações possuem também um sistema de informação de horário em tempo real das linhas, relatando o tempo previsto para a chegada do ônibus à estação. Cada ônibus do sistema possui um computador de bordo que revela ao motorista informações relativas a velocidade do veículo, distância até a próxima estação ou imprevistos no sistema, tais como desvios no corredor necessários em caso de enguiço de outros veículos. Todo esse sistema é coordenado pelo Centro de Controle Operacional do Sistema Transmilenio.

Estação Plaza de La Democracia, com dois vagones.


-Corredores e o Eje Ambiental:
Os corredores são faixas exclusivas para o tráfego de veículos do sistema Transmilenio, salvo exceções dadas a veículos de emergência tais como ambulâncias, bombeiros e viaturas policiais com as sirenes ligadas. Tem seu calçamento feito em concreto, dado seu melhor suporte ao peso da passagem constante dos ônibus do que o asfalto tradicional. Localizam-se nos canteiros centrais de importantes avenidas de Bogota como a Caracas, a El Dorado, a NQS Sur e a de Las Americas. Muitas dessas avenidas têm como característica irradiarem do centro da cidade às zonas periféricas.
Dentro do Centro de Bogotá, no entanto, determinadas ruas foram adequadas para a passagem exclusiva dos ônibus do Transmilenio, isso é, tiveram seu calçamento adequado para a passagem dos ônibus, e, ao mesmo tempo, se tornarem um espaço público livre da passagem de demais veículos.
Essas ruas formam o que é conhecido pelos bogotanos de "Eje Ambiental" (Eixo Ambiental), um trecho de um quilômetro onde os ônibus circulam a baixa velocidade (Maximo de 20 Km/h) e é repleto de serviços e comércio em suas margens, além de estar próximo a centros turísticos e culturais importantes da cidade como o Museu do Ouro, a Praça Bolívar e o Cerro Monserrate, sendo no domingo uma das áreas de lazer da cidade.
Foto: Eje Ambiental próximo a Estação Las Aguas, ao fundo o Cerro Monserrate, atração turística importante de Bogota.

Foto: Eje Ambiental, Centro de Bogota

Desafios Observados
Porém os desafios do transporte bogotano ainda são muitos. Apesar de rápido e com uma oferta de ônibus frequente, capaz de transportar até 40.000 pessoas por sentido a cada hora, o Transmilenio apresenta em diversos momentos do dia, inclusive em finais de semana, lotação excessiva, com formação de grandes filas nas estações de maior movimento e ônibus rodando muito cheios. Além disso, ainda há diversos locais de Bogota onde o sistema ainda não alcança, como a Carrera 7 (importante local de serviços, sede de muitas empresas na cidade), a Rodoviária e o Aeroporto Internacional El Dorado, esse último sendo atendido por uma linha alimentadora que leva os usuários ao Portal El Dorado, a 2 km de distância.
Foto: Aeroporto Internacional El Dorado. As reformas em curso no aeroporto prevêem a expansão do sistema Transmilenio ao Aeroporto, ainda sem data definida.

Outra grande dificuldade é integrar o sistema com as milhares de busetas que ainda rodam em abundância pelas ruas bogotanas, muitas em estado precário, sem obedecer aos pontos de ônibus, com dezenas de operadores e empresas diferentes. A prefeitura de Bogota criou em 2010 o SITP-Sistema Integrado del Transporte Publico, buscando justamente obter um controle maior sobre os operadores de busetas, criando um banco de dados mais eficiente sobre seus serviços, funcionários e frota, permitindo além disso a implementação de bilhetagem eletrônica correspondente com a do Transmilenio. Porém ainda são poucas as busetas sob esse sistema.
Engarrafamento de Busetas na Carrera 12

O transporte através de busetas custa em média 1.500 pesos e a capacidade de cada buseta varia muito, já que não há uma definição para o tamanho do veículo, podendo variar desde uma van até a um ônibus urbano normal. A passagem é paga para o motorista pessoalmente, que se encarrega de cobrar e dar o troco ao mesmo tempo em que dirige o veículo. Em certos casos há cobradores nos carros, nem sempre identificados, que cobram a passagem nos momentos de movimento do veículo.

Buseta sob o SITP, na Linha P500 Aeropuerto - Centro Comercial Andino

Concluindo a análise, o transporte público de Bogota apresenta-se hoje suportado por dois sistemas distintos, concorrentes entre si mas também complementares, uma vez que as busetas apesar de concorrerem com o Transmilenio em diversos momentos também o complementam em lugares onde ele e as linhas alimentadoras não alcançam. É necessário que, além do crescimento da rede e da frota do Transmilenio, iniciativas como a SITP se desenvolvam para que a qualidade do transporte de Bogota evolua cada vez mais rumo a um sistema integrado, com planejamento de qualidade e a longo prazo.

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