No último dia da minha viagem em solo uruguaio, deixei para
explorar o máximo possível da capital. Algumas das impressões que ficaram
depois da viagem foram a de que Montevideo sem dúvida nenhuma é uma cidade
grande e dinâmica, mas ainda conserva em vários aspectos um ar mais
interiorano, pacato, do que outras capitais como Buenos Aires e Santiago. O
comercio de rua raramente se concentra em uma única rua, é esparso pelos
bairros e muitos são especialistas em acessórios e atividades que são bem difíceis
de encontrar nos dias de hoje, como videolocadora com VHS e lojas de acessórios
para controle remoto e antenas parabólicas. Mais um sinal de que aqui o tempo
parece rodar mais devagar. Por todos os cantos da área central se avistam
construções antigas como casarões e edifícios da primeira metade do século XX,
a maioria não muito bem conservada, verdade, mais devido à ação do tempo do que
vandalismo.
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Rua na Cidade Velha |
1-Circulação dentro de Montevideo:
Como nas grandes cidades do Brasil há um monte de empresas
que operam as linhas de ônibus de Montevideo, cada uma com sua cor. Uma das
mais conhecidas lá – e a que eu mais utilizei- é a CUTCSA, de cores branca e
azul, pois ela opera as linhas mais utilizadas pelos turistas dentro da cidade
entre o Centro, o Terminal Tres Cruces, o Estádio Centenário e para os bairros
de Pocitos e Punta Carretas. A maioria dos ônibus foi fabricada no Brasil, é
muito forte a presença das carrocerias Marcopolo, Caio e Busscar, e alguns
ônibus de carroceria argentina também são avistados aqui e ali.
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Ônibus da Cutcsa na Plaza Independencia |
A frente do ônibus mostra apenas o número e o destino,
informações sobre o itinerário só na base da pergunta para o motorista. A
entrada é pela frente, todos possuem cobrador e a tarifa varia de acordo com o
tamanho da linha, na época entre 17 e 25 pesos. Podem ser comprados também
bilhetes de ida e volta na mesma linha por 40 pesos, válidos pelo dia todo, e
de integração total com outras linhas por 48 pesos e válido por 2 horas após o
cobrador estampar o bilhete. Curiosidade que todas as janelas têm cortinas e há
somente um botão da cigarra, sempre junto à porta de saída na traseira. Há
ônibus bem antigos rodando ainda em muitas empresas, mas eles não necessariamente
são sinônimos de uma viagem ruim, pelo contrário, a qualidade da conservação é
impressionante. Andei lá em ônibus com mais de 20 anos de uso nas costas que
não rangia um pio sequer, aparentemente foram comprados 0 km. Faz parte daquela
sensação de que o tempo passa mais devagar lá.
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Ônibus de carroceria Caio Vitória: Típico dos anos 90 |
Os pontos de ônibus
lá são bem parecidos aos daqui, identificados com o número das linhas que são
atendidas ali, alguns tem bancos para sentar, outros só o poste indicativo. Há
faixas exclusivas para ônibus nas ruas do Centro.
A maioria das linhas rumo ao Centro ou faz ponto final no
final da Cidade Velha, localizada na ponta que avança sobre o Rio da Prata, ou
é circular na Plaza Independencia, geralmente com o letreiro Ciudadela. De um
lado da Cidade Velha está o Porto de Montevideo, voltado para a baía, com movimento
intenso de embarcações cargueiras e algumas saídas do Buquebus para Buenos
Aires e do outro está a Rambla, o calçadão a beira-rio quase mar.
Em Montevideo, os taxis são da cor branca e que nem no
Brasil o preço é estabelecido no taxímetro. A maioria das ruas é razoavelmente
plana, ladeadas por grandes árvores, convidativas para a caminhada.
2-MANHÃ
Comecei o dia fazendo o check-out do Hostel Montevideo Up
por volta das 9:00. O tempo estava bem agradável, sol sem nuvens e com a brisa
soprando da orla. Peguei o ônibus até o Terminal Tres Cruces e deixei minha
mochila no guarda-volumes do terminal. De lá, peguei o ônibus CA 1, que
atravessa todo o centro de Montevideo até a Cidade Velha por 17 pesos, que
desceu toda a Avenida 18 de Julho, Praça Independencia e seguiu pela Cidade
Velha até o Mercado del Puerto.
Desci próximo ao Mercado del Puerto, ponto turístico
movimentado da cidade famoso pelos restaurantes e seus churrascos grelhados na
hora na parrilla (churrasqueira enorme utilizada por argentinos e uruguaios),
como ainda era cedo estava bem vazio.
Decidi voltar lá mais tarde, na hora do
almoço. Segui caminhando pelas peatonais (calçadões) Perez Castellano e
Sarandi, que atravessam a Cidade Velha ligando o Mercado a Plaza Independencia.
Pelo caminho há bastante comércio e camelôs vendendo souvenirs. Dei um pequeno
desvio para passar na Plaza Zaballa, com um agradável jardim homenageando um
dos heróis da independência uruguaia.
A arquitetura da Cidade Velha remete ao
final do Século XIX e começo do XX, com prédios imponentes, mas não muito bem
conservados, as ruas mais próximas ao porto concentram alguns bem decrépitos
convertidos em cortiços que servem de moradia aos mais pobres. Relatos de
furtos e roubos ali são frequentes, e os montevidanos não tem uma boa impressão
do bairro, o que é uma pena, pois sem dúvida nenhuma é uma região que seria
muito agradável de morar se fosse mais bem cuidada. Há semelhanças com a Zona
Portuária do Rio de Janeiro, hoje em processo de revitalização urbana.
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Mercado del Puerto |
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Ciudad Vieja |
A peatonal Sarandi atravessa a Plaza Constitucion, o lugar
de fundação da cidade, a “Plaza de Armas” da capital uruguaia, que reúne o
prédio do Cabildo, a primeira sede do governo local (em obras nesse dia), e a
Catedral Metropolitana.
Nota: A maioria das cidades fundadas por espanhóis na América
se desenvolveram a partir dessas praças centrais, chamadas na época de Plaza Mayor,
que reuniam as sedes das duas grandes autoridades da época: A Igreja e o
Governo. Na Espanha ainda se manteve o nome de Plaza Mayor, mas nos países da
América Espanhola elas são conhecidas como Plaza de Armas, pois nas cidades ali
era o local em que se iniciaram os processos de revolta do povo contra o
governo espanhol. Algumas cidades homenagearam os heróis da revolução como a
Plaza Bolívar em Bogotá. Nos dias de hoje elas ainda preservam a mesma
estrutura original, com a principal igreja da cidade e antigos prédios
públicos, e são o marco central da cidade.
Segui pela peatonal Sarandí até o seu fim na Plaza
Independencia, considerada o coração de Montevideo por muita gente. Ladeada por
palmeiras e cercada de grandes prédios, ela marca o limite da Cidade Velha com
o Centro, mais moderno. Era ali que se localizava a antiga muralha durante o
período colonial, e hoje ainda há uma réplica do portal original da antiga
cidade na entrada para a Peatonal. No lado sul da praça há a sede da
presidência uruguaia, equivalente ao nosso Palácio do Planalto, um grande
edifício envidraçado. Próximo a ele está o Teatro Solis, o maior do país, reúne
mais de 100 anos de história e um importante ponto cultural da cidade. nos bancos próximos ao chafariz batendo papo
e jogando cartas – até a principal praça do país preserva um pouco de ar
interiorano. No lado leste da praça está o edifício Salvo, de 1908, o primeiro
edifício considerado arranha-céu da cidade, e aonde desemboca a Avenida 18 de Julho,
a principal artéria do Centro.
Naquela
hora a praça estava cheia de turistas, muitos brasileiros principalmente
tirando selfies aqui e ali, mas também haviam os moradores locais sentados
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Teatro Sólis |
A 18 de Julho é uma avenida bem interessante, ela reúne um
grande movimento de pessoas, veículos, restaurantes, comércio e casas de shows.
A maioria ainda estava lentamente abrindo as portas já que ainda era manhã de
um feriado. A arquitetura dos edifícios é outra atração a parte, muitos
decorados com estátuas e domos nos terraços. Todos esses detalhes me fizeram
lembrar de outras avenidas importantes como a Santa Fé de Buenos Aires ou a
Gran Via de Madrid.
Passei pela Plaza
Fabini, onde dois dias atrás assisti ao show de tango ao ar livre (ver post: http://migre.me/qrtf3) e segui até a Plaza
Cagancha, onde está a sede da Intendencia (prefeitura) de Montevidéu, todas essas
praças estavam bem cuidadas e limpas. Há um chafariz cheio de cadeados do amor,
a exemplo da Ponte des Arts em Paris (hábito muito brega na minha opinião) Segui
para o norte pela Avenida General Rondeau e depois pela Libertador Lavalleja em
direção ao Palácio Legislativo, o movimento ficou bem mais esparso, o comércio
some, e as ruas ficam mais abertas. O ruim é que esse lado do Centro está de
costas para o rio, fora do alcance da brisa, o relógio de rua já estava marcando
35 graus. Passei ao lado da estação ferroviária General Artigas, parecida com a
Estação da Leopoldina no Rio de Janeiro, um prédio imponente cinzento
abandonado. Ainda há trens de subúrbio em Montevideo, movidos a diesel, que
partem de uma plataforma a 300 metros a frente da estação rumo ao norte da
cidade.
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Estacion General Artigas |
Depois de uma boa caminhada cheguei a enorme praça em que se
localiza o Palácio Legislativo, a maior edificação da cidade, em estilo
clássico, no topo de uma pequena colina, sendo visível desde muitos pontos da
cidade, reunindo o Senado e a Câmara dos Deputados. Próximo a ele está o edifício
mais moderno do Uruguai, o edifício Antel, todo envidraçado e de forma
chamativa.
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Palácio Legislativo e Edifício Antel |
Seguindo algumas quadras mais além do Palácio cheguei ao
Mercado Agrícola, mais amplo que o Mercado del Puerto e com uma aparência mais
reformada, com ar-condicionado e muitas bancas de vegetais, especiarias,
carnes, peixes e artesanato. Havia muitos restaurantes também, mas a maioria
mais focada em fast-food, com praça de alimentação, só havia uma churrascaria e
estava lotada. Por mais agradável que fosse, preferi pegar um ônibus (162
Ciudad Vieja) e voltar para o Mercado del Puerto, com mais opções de
restaurantes, naquela hora já bastante movimentado.
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Mercado Agrícola, uma alternativa ao do Porto |
Para comer nos restaurantes, ou você senta no balcão ou usa
as mesas. Como estava sozinho, nem pensei duas vezes em usar o balcão. Pedi
para a atendente uma Costilla (acompanha papas –batatas- fritas) e separado uma
morcilla, uma linguiça de sangue. Ambos os pratos estavam muy, muy ricos!
Ainda ajudei um casal de brasileiros que estava meio perdido no que ia escolher. Lembrando que a picaña deles não é como a nossa picanha e bife de chorizo é um corte argentino e eles não o servem, a melhor pedida lá pra dois é o bife ancho.
Ainda ajudei um casal de brasileiros que estava meio perdido no que ia escolher. Lembrando que a picaña deles não é como a nossa picanha e bife de chorizo é um corte argentino e eles não o servem, a melhor pedida lá pra dois é o bife ancho.
3-A Tarde
A caminhada da tarde para fazer a digestão teve o mesmo
início da de manhã, seguindo pelas peatonais até a Plaza Independencia, agora
já com bastante movimento de gente e ainda mais camelôs. Comprei em um deles na
Plaza Constitucion uma camiseta de souvenir por 20 reais (sim, aceitou a moeda
brasileira). Chegando na Independencia, desviei para o sul e desci até a
Rambla, de onde segui tranquilamente até o Parque Rodó, já em Punta Carretas,
foram cerca de 3 km de caminhada sob o sol temperado pela brisa, acompanhando
as águas barrentas do Rio da Prata. As ramblas de Montevideo oferecem grandes
visuais, são mais de 20 km de orla e os locais gostam de caminhar e de pedalar
nela, mas achei a rambla naquele trecho da Cidade Velha e do Centro muito
isolada, já que são poucos os semáforos com faixas de pedestres que atravessam
a avenida e não havia um quiosque ou um ambulante vendendo bebidas. Tive que
atravessar a avenida fora da faixa para comprar uma água num posto de gasolina.
Não é muito convidativo desse jeito.
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La Rambla Argentina, entre o Centro e Punta Carretas |
Chegando ao Parque Rodó há a Playa Ramirez, bem ocupada de
barracas e cadeiras de praia, ladeada pelo prédio do Parlamento do Mercosul.
Atravessei o Parque admirando a vista das palmeiras e dos bustos espalhados
pelas alamedas. Para me adiantar um pouco, peguei um ônibus (582 Pocitos) até o
seu ponto final na orla deste bairro, o principal da orla montevidana, cuja
praia movimentada é rodeada de prédios. Pelo menos ali havia um quiosque
vendendo água. Não longe da praia há o Shopping Montevideo, ladeado pelo
empreendimento WTC, que rivaliza com o edifício Antel o título de mais moderno
do país.
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Orla de Pocitos |
Mesmo sendo o bairro mais badalado da cidade, a efeito de
comparação com Ipanema ou Copacabana no Rio ou mesmo Palermo em Buenos Aires,
Pocitos é muito calmo, seguindo aquele estilo de comércio esparso e ruas
tranquilas. Acredito que os dois shoppings da área (Montevideo e Punta
Carretas) possam ter contribuído para o declínio do comércio de rua, uma pena. Queria
ainda ter passado pela região do Estádio Centenário e do Parque Battle, mas já
eram 17:00 e precisava estar no máximo até as 19:00 no Terminal Tres Cruces,
portanto decidi já me dirigir para lá para pegar o ônibus que me levaria de
volta ao Brasil naquela noite, encarando 12 horas de viagem até Porto Alegre.
4-A volta para o Brasil na primeira classe do busão
Aproveitando que cheguei cedo, por volta das 17:30, jantei
um Whooper no Burger King e segui para o balcão da EGA, onde peguei uma boa
fila para fazer o controle de embarque no guichê da empresa, onde você mostra
sua passagem e entrega o passaporte para os funcionários da empresa, que farão
todo o processo de saída do Uruguai (não esqueçam de manter o papelzinho da
imigração todo o tempo junto com o passaporte).
Todos os dias há viagens entre Porto Alegre e Montevideo,
pela EGA a passagem custa R$ 194 a executiva e 291 a primeira classe, no andar
de baixo (há uma outra empresa que também faz esse percurso, a TTL). Achei jogo
gastar esse dinheiro a mais para ter uma boa noite de sono já que ainda iria
bater perna o dia todo na capital gaúcha antes de pegar o voo de volta para São
Paulo.
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Viagem internacional na 1ªclasse? Por enquanto só no buzão |
O ônibus partiu pontualmente as 20:00 de Tres Cruces e pegou
alguns passageiros já com bilhetes nas avenidas de saída de Montevideo. Fiquei
admirando minhas últimas vistas do Uruguai na janela antes que escurecesse
totalmente. A viagem em si foi excelente, a poltrona reclinando quase 180 graus
e sendo servido jantar a bordo, uma boa carne com batatas acompanhada de
bebidas (refrigerante, uísque ou Martini). Fui logo de uísque para capotar de
sono mais rápido.
A impressão final que ficou de Montevideu para mim foi a de uma metrópole ainda apegada a um ritmo de vida mais devagar. A ausência de grandes infraestruturas de transporte como autopistas e metrôs atravessando a cidade e em seu lugar predominando largas ruas com semáforos, comércio local diversificado e com boas calçadas ladeadas por árvores frondosas fez com que os veículos não andem tão depressa, mas evitou que o espaço urbano fosse segregado da forma que acontece em locais atravessados por ferrovias e rodovias, fazendo com que os bairros mantenham sua dinâmica por períodos mais longos de tempo. No próximo post concluo o relato da viagem com o minha quarta-feira de cinzas em Porto Alegre, a minha primeira vez no Rio Grande do Sul. Continuem seguindo!
Quanto aos mapas, aqui vai o link do aplicativo da série de mapas referente ao Uruguai. Os meus passos em Montevideu estão no mapa número 4:
A impressão final que ficou de Montevideu para mim foi a de uma metrópole ainda apegada a um ritmo de vida mais devagar. A ausência de grandes infraestruturas de transporte como autopistas e metrôs atravessando a cidade e em seu lugar predominando largas ruas com semáforos, comércio local diversificado e com boas calçadas ladeadas por árvores frondosas fez com que os veículos não andem tão depressa, mas evitou que o espaço urbano fosse segregado da forma que acontece em locais atravessados por ferrovias e rodovias, fazendo com que os bairros mantenham sua dinâmica por períodos mais longos de tempo. No próximo post concluo o relato da viagem com o minha quarta-feira de cinzas em Porto Alegre, a minha primeira vez no Rio Grande do Sul. Continuem seguindo!
Quanto aos mapas, aqui vai o link do aplicativo da série de mapas referente ao Uruguai. Os meus passos em Montevideu estão no mapa número 4:
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