sábado, 27 de junho de 2015

Montevideu: Impressões da capital mais pitoresca dentre as que conheci na América Latina



MONTEVIDEO – DIA 17/02/2015


No último dia da minha viagem em solo uruguaio, deixei para explorar o máximo possível da capital. Algumas das impressões que ficaram depois da viagem foram a de que Montevideo sem dúvida nenhuma é uma cidade grande e dinâmica, mas ainda conserva em vários aspectos um ar mais interiorano, pacato, do que outras capitais como Buenos Aires e Santiago. O comercio de rua raramente se concentra em uma única rua, é esparso pelos bairros e muitos são especialistas em acessórios e atividades que são bem difíceis de encontrar nos dias de hoje, como videolocadora com VHS e lojas de acessórios para controle remoto e antenas parabólicas. Mais um sinal de que aqui o tempo parece rodar mais devagar. Por todos os cantos da área central se avistam construções antigas como casarões e edifícios da primeira metade do século XX, a maioria não muito bem conservada, verdade, mais devido à ação do tempo do que vandalismo. 

Rua na Cidade Velha














1-Circulação dentro de Montevideo:
Como nas grandes cidades do Brasil há um monte de empresas que operam as linhas de ônibus de Montevideo, cada uma com sua cor. Uma das mais conhecidas lá – e a que eu mais utilizei- é a CUTCSA, de cores branca e azul, pois ela opera as linhas mais utilizadas pelos turistas dentro da cidade entre o Centro, o Terminal Tres Cruces, o Estádio Centenário e para os bairros de Pocitos e Punta Carretas. A maioria dos ônibus foi fabricada no Brasil, é muito forte a presença das carrocerias Marcopolo, Caio e Busscar, e alguns ônibus de carroceria argentina também são avistados aqui e ali.
Ônibus da Cutcsa na Plaza Independencia

A frente do ônibus mostra apenas o número e o destino, informações sobre o itinerário só na base da pergunta para o motorista. A entrada é pela frente, todos possuem cobrador e a tarifa varia de acordo com o tamanho da linha, na época entre 17 e 25 pesos. Podem ser comprados também bilhetes de ida e volta na mesma linha por 40 pesos, válidos pelo dia todo, e de integração total com outras linhas por 48 pesos e válido por 2 horas após o cobrador estampar o bilhete. Curiosidade que todas as janelas têm cortinas e há somente um botão da cigarra, sempre junto à porta de saída na traseira. Há ônibus bem antigos rodando ainda em muitas empresas, mas eles não necessariamente são sinônimos de uma viagem ruim, pelo contrário, a qualidade da conservação é impressionante. Andei lá em ônibus com mais de 20 anos de uso nas costas que não rangia um pio sequer, aparentemente foram comprados 0 km. Faz parte daquela sensação de que o tempo passa mais devagar lá.
Ônibus de carroceria Caio Vitória: Típico dos anos 90

 Os pontos de ônibus lá são bem parecidos aos daqui, identificados com o número das linhas que são atendidas ali, alguns tem bancos para sentar, outros só o poste indicativo. Há faixas exclusivas para ônibus nas ruas do Centro.
A maioria das linhas rumo ao Centro ou faz ponto final no final da Cidade Velha, localizada na ponta que avança sobre o Rio da Prata, ou é circular na Plaza Independencia, geralmente com o letreiro Ciudadela. De um lado da Cidade Velha está o Porto de Montevideo, voltado para a baía, com movimento intenso de embarcações cargueiras e algumas saídas do Buquebus para Buenos Aires e do outro está a Rambla, o calçadão a beira-rio quase mar.
Em Montevideo, os taxis são da cor branca e que nem no Brasil o preço é estabelecido no taxímetro. A maioria das ruas é razoavelmente plana, ladeadas por grandes árvores, convidativas para a caminhada.

2-MANHÃ
Comecei o dia fazendo o check-out do Hostel Montevideo Up por volta das 9:00. O tempo estava bem agradável, sol sem nuvens e com a brisa soprando da orla. Peguei o ônibus até o Terminal Tres Cruces e deixei minha mochila no guarda-volumes do terminal. De lá, peguei o ônibus CA 1, que atravessa todo o centro de Montevideo até a Cidade Velha por 17 pesos, que desceu toda a Avenida 18 de Julho, Praça Independencia e seguiu pela Cidade Velha até o Mercado del Puerto.
Desci próximo ao Mercado del Puerto, ponto turístico movimentado da cidade famoso pelos restaurantes e seus churrascos grelhados na hora na parrilla (churrasqueira enorme utilizada por argentinos e uruguaios), como ainda era cedo estava bem vazio.
Mercado del Puerto
Decidi voltar lá mais tarde, na hora do almoço. Segui caminhando pelas peatonais (calçadões) Perez Castellano e Sarandi, que atravessam a Cidade Velha ligando o Mercado a Plaza Independencia. Pelo caminho há bastante comércio e camelôs vendendo souvenirs. Dei um pequeno desvio para passar na Plaza Zaballa, com um agradável jardim homenageando um dos heróis da independência uruguaia.
Ciudad Vieja
A arquitetura da Cidade Velha remete ao final do Século XIX e começo do XX, com prédios imponentes, mas não muito bem conservados, as ruas mais próximas ao porto concentram alguns bem decrépitos convertidos em cortiços que servem de moradia aos mais pobres. Relatos de furtos e roubos ali são frequentes, e os montevidanos não tem uma boa impressão do bairro, o que é uma pena, pois sem dúvida nenhuma é uma região que seria muito agradável de morar se fosse mais bem cuidada. Há semelhanças com a Zona Portuária do Rio de Janeiro, hoje em processo de revitalização urbana.
A peatonal Sarandi atravessa a Plaza Constitucion, o lugar de fundação da cidade, a “Plaza de Armas” da capital uruguaia, que reúne o prédio do Cabildo, a primeira sede do governo local (em obras nesse dia), e a Catedral Metropolitana.
Nota: A maioria das cidades fundadas por espanhóis na América se desenvolveram a partir dessas praças centrais, chamadas na época de Plaza Mayor, que reuniam as sedes das duas grandes autoridades da época: A Igreja e o Governo. Na Espanha ainda se manteve o nome de Plaza Mayor, mas nos países da América Espanhola elas são conhecidas como Plaza de Armas, pois nas cidades ali era o local em que se iniciaram os processos de revolta do povo contra o governo espanhol. Algumas cidades homenagearam os heróis da revolução como a Plaza Bolívar em Bogotá. Nos dias de hoje elas ainda preservam a mesma estrutura original, com a principal igreja da cidade e antigos prédios públicos, e são o marco central da cidade.
Segui pela peatonal Sarandí até o seu fim na Plaza Independencia, considerada o coração de Montevideo por muita gente. Ladeada por palmeiras e cercada de grandes prédios, ela marca o limite da Cidade Velha com o Centro, mais moderno. Era ali que se localizava a antiga muralha durante o período colonial, e hoje ainda há uma réplica do portal original da antiga cidade na entrada para a Peatonal. No lado sul da praça há a sede da presidência uruguaia, equivalente ao nosso Palácio do Planalto, um grande edifício envidraçado. Próximo a ele está o Teatro Solis, o maior do país, reúne mais de 100 anos de história e um importante ponto cultural da cidade.  nos bancos próximos ao chafariz batendo papo e jogando cartas – até a principal praça do país preserva um pouco de ar interiorano. No lado leste da praça está o edifício Salvo, de 1908, o primeiro edifício considerado arranha-céu da cidade, e aonde desemboca a Avenida 18 de Julho, a principal artéria do Centro.
Teatro Sólis
Naquela hora a praça estava cheia de turistas, muitos brasileiros principalmente tirando selfies aqui e ali, mas também haviam os moradores locais sentados
A 18 de Julho é uma avenida bem interessante, ela reúne um grande movimento de pessoas, veículos, restaurantes, comércio e casas de shows. A maioria ainda estava lentamente abrindo as portas já que ainda era manhã de um feriado. A arquitetura dos edifícios é outra atração a parte, muitos decorados com estátuas e domos nos terraços. Todos esses detalhes me fizeram lembrar de outras avenidas importantes como a Santa Fé de Buenos Aires ou a Gran Via de Madrid.
 Passei pela Plaza Fabini, onde dois dias atrás assisti ao show de tango ao ar livre (ver post: http://migre.me/qrtf3) e segui até a Plaza Cagancha, onde está a sede da Intendencia (prefeitura) de Montevidéu, todas essas praças estavam bem cuidadas e limpas. Há um chafariz cheio de cadeados do amor, a exemplo da Ponte des Arts em Paris (hábito muito brega na minha opinião) Segui para o norte pela Avenida General Rondeau e depois pela Libertador Lavalleja em direção ao Palácio Legislativo, o movimento ficou bem mais esparso, o comércio some, e as ruas ficam mais abertas. O ruim é que esse lado do Centro está de costas para o rio, fora do alcance da brisa, o relógio de rua já estava marcando 35 graus. Passei ao lado da estação ferroviária General Artigas, parecida com a Estação da Leopoldina no Rio de Janeiro, um prédio imponente cinzento abandonado. Ainda há trens de subúrbio em Montevideo, movidos a diesel, que partem de uma plataforma a 300 metros a frente da estação rumo ao norte da cidade.
Estacion General Artigas

Depois de uma boa caminhada cheguei a enorme praça em que se localiza o Palácio Legislativo, a maior edificação da cidade, em estilo clássico, no topo de uma pequena colina, sendo visível desde muitos pontos da cidade, reunindo o Senado e a Câmara dos Deputados. Próximo a ele está o edifício mais moderno do Uruguai, o edifício Antel, todo envidraçado e de forma chamativa.
Palácio Legislativo e Edifício Antel

Seguindo algumas quadras mais além do Palácio cheguei ao Mercado Agrícola, mais amplo que o Mercado del Puerto e com uma aparência mais reformada, com ar-condicionado e muitas bancas de vegetais, especiarias, carnes, peixes e artesanato. Havia muitos restaurantes também, mas a maioria mais focada em fast-food, com praça de alimentação, só havia uma churrascaria e estava lotada. Por mais agradável que fosse, preferi pegar um ônibus (162 Ciudad Vieja) e voltar para o Mercado del Puerto, com mais opções de restaurantes, naquela hora já bastante movimentado.
Mercado Agrícola, uma alternativa ao do Porto

Para comer nos restaurantes, ou você senta no balcão ou usa as mesas. Como estava sozinho, nem pensei duas vezes em usar o balcão. Pedi para a atendente uma Costilla (acompanha papas –batatas- fritas) e separado uma morcilla, uma linguiça de sangue. Ambos os pratos estavam muy, muy ricos!
Ainda ajudei um casal de brasileiros que estava meio perdido no que ia escolher. Lembrando que a picaña deles não é como a nossa picanha e bife de chorizo é um corte argentino e eles não o servem, a melhor pedida lá pra dois é o bife ancho.


3-A Tarde
A caminhada da tarde para fazer a digestão teve o mesmo início da de manhã, seguindo pelas peatonais até a Plaza Independencia, agora já com bastante movimento de gente e ainda mais camelôs. Comprei em um deles na Plaza Constitucion uma camiseta de souvenir por 20 reais (sim, aceitou a moeda brasileira). Chegando na Independencia, desviei para o sul e desci até a Rambla, de onde segui tranquilamente até o Parque Rodó, já em Punta Carretas, foram cerca de 3 km de caminhada sob o sol temperado pela brisa, acompanhando as águas barrentas do Rio da Prata. As ramblas de Montevideo oferecem grandes visuais, são mais de 20 km de orla e os locais gostam de caminhar e de pedalar nela, mas achei a rambla naquele trecho da Cidade Velha e do Centro muito isolada, já que são poucos os semáforos com faixas de pedestres que atravessam a avenida e não havia um quiosque ou um ambulante vendendo bebidas. Tive que atravessar a avenida fora da faixa para comprar uma água num posto de gasolina. Não é muito convidativo desse jeito.
La Rambla Argentina, entre o Centro e Punta Carretas
Chegando ao Parque Rodó há a Playa Ramirez, bem ocupada de barracas e cadeiras de praia, ladeada pelo prédio do Parlamento do Mercosul. Atravessei o Parque admirando a vista das palmeiras e dos bustos espalhados pelas alamedas. Para me adiantar um pouco, peguei um ônibus (582 Pocitos) até o seu ponto final na orla deste bairro, o principal da orla montevidana, cuja praia movimentada é rodeada de prédios. Pelo menos ali havia um quiosque vendendo água. Não longe da praia há o Shopping Montevideo, ladeado pelo empreendimento WTC, que rivaliza com o edifício Antel o título de mais moderno do país.
Orla de Pocitos
Mesmo sendo o bairro mais badalado da cidade, a efeito de comparação com Ipanema ou Copacabana no Rio ou mesmo Palermo em Buenos Aires, Pocitos é muito calmo, seguindo aquele estilo de comércio esparso e ruas tranquilas. Acredito que os dois shoppings da área (Montevideo e Punta Carretas) possam ter contribuído para o declínio do comércio de rua, uma pena. Queria ainda ter passado pela região do Estádio Centenário e do Parque Battle, mas já eram 17:00 e precisava estar no máximo até as 19:00 no Terminal Tres Cruces, portanto decidi já me dirigir para lá para pegar o ônibus que me levaria de volta ao Brasil naquela noite, encarando 12 horas de viagem até Porto Alegre.
4-A volta para o Brasil na primeira classe do busão
Aproveitando que cheguei cedo, por volta das 17:30, jantei um Whooper no Burger King e segui para o balcão da EGA, onde peguei uma boa fila para fazer o controle de embarque no guichê da empresa, onde você mostra sua passagem e entrega o passaporte para os funcionários da empresa, que farão todo o processo de saída do Uruguai (não esqueçam de manter o papelzinho da imigração todo o tempo junto com o passaporte).
Todos os dias há viagens entre Porto Alegre e Montevideo, pela EGA a passagem custa R$ 194 a executiva e 291 a primeira classe, no andar de baixo (há uma outra empresa que também faz esse percurso, a TTL). Achei jogo gastar esse dinheiro a mais para ter uma boa noite de sono já que ainda iria bater perna o dia todo na capital gaúcha antes de pegar o voo de volta para São Paulo.
Viagem internacional na 1ªclasse? Por enquanto só no buzão
O ônibus partiu pontualmente as 20:00 de Tres Cruces e pegou alguns passageiros já com bilhetes nas avenidas de saída de Montevideo. Fiquei admirando minhas últimas vistas do Uruguai na janela antes que escurecesse totalmente. A viagem em si foi excelente, a poltrona reclinando quase 180 graus e sendo servido jantar a bordo, uma boa carne com batatas acompanhada de bebidas (refrigerante, uísque ou Martini). Fui logo de uísque para capotar de sono mais rápido.

A impressão final que ficou de Montevideu para mim foi a de uma metrópole ainda apegada a um ritmo de vida mais devagar. A ausência de grandes infraestruturas de transporte como autopistas e metrôs atravessando a cidade e em seu lugar predominando largas ruas com semáforos, comércio local diversificado e com boas calçadas ladeadas por árvores frondosas fez com que os veículos não andem tão depressa, mas evitou que o espaço urbano fosse segregado da forma que acontece em locais atravessados por ferrovias e rodovias, fazendo com que os bairros mantenham sua dinâmica por períodos mais longos de tempo. No próximo post concluo o relato da viagem com o minha quarta-feira de cinzas em Porto Alegre, a minha primeira vez no Rio Grande do Sul. Continuem seguindo!

Quanto aos mapas, aqui vai o link do aplicativo da série de mapas referente ao Uruguai. Os meus passos em Montevideu estão no mapa número 4:

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