Hoje no blog vou falar a respeito de um dos destinos cada vez mais procurado no Paraguai, que é a cidade de San Cosme y Damian, no extremo sul do país, próxima à fronteira argentina. É conhecida por ter a Missão Jesuítica mais contramão e afastada em relação à Encarnacion, que é a cidade base para explorá-las. Pesquisei muito a respeito sobre ela e me interessei, principalmente por ela ter sido parcialmente restaurada e ainda ter atividades de ensino às crianças locais, além da cidade ter outra atração cada vez mais em alta no Paraguai: A grande duna ilhada no meio do rio Paraná, nesse trecho represado pela construção pelos governos argentino e paraguaio da Usina Hidrelétrica de Yacyretá, ao exemplo de Itaipu. Se fora do Paraguai a cidade é pouco conhecida, dentro do país ela cada vez mais se consolidava como um destino turístico de grande interesse e procura, com cada vez mais material disponível na internet. Por isso, quando fiz o planejamento da minha viagem ao Paraguai, fiz questão de incluir uma parada em San Cosme.
Para quem não conhece a história das Missões Jesuíticas, explicando por alto, elas funcionavam como locais de catequização dos índios durante o período colonial, onde os padres jesuítas ensinavam a eles o idioma, a cultura e a religião cristã, e oferecendo-lhes proteção contra os bandeirantes e demais exploradores. As maiores destas missões ficavam em uma região entre os rios Paraná, Paraguai e Uruguai, com algumas chegando a abrigar mais de 5 mil indígenas, sendo devastadas e abandonadas a expulsão dos jesuítas por ordem dos monarcas da Espanha e de Portugal. Hoje, essa região das Missões corresponde ao oeste do Rio Grande do Sul, ao Nordeste de Argentina e ao Sul do Paraguai.
A cidade principal de apoio para chegar a San Cosme y Damian é Encarnacion, a terceira maior cidade paraguaia, às margens do Rio Paraná, junto à fronteira com a Argentina. Ônibus de linha ligam Encarnacion a Posadas, no lado argentino, de onde há saídas às missões jesuíticas argentinas (San Ignacio Mini) e brasileiras (Santo Ângelo/São Miguel das Missões), e para Puerto Iguazu, cidade base das Cataratas no lado argentino. Alguns ônibus entre Buenos Aires e São Paulo/Rio atendem à rodoviária de Posadas. Para quem chega de avião, o aeroporto de Posadas é o mais próximo da cidade com vôos regulares, apenas para Buenos Aires.
A rodoviária de Encarnacion fica em pleno Centro, um espaço pequeno e cheio de gente com vários guichês de empresas, mas em muitos casos a passagem já se pode comprar direto com o cobrador. As saídas mais frequentes de ônibus são para Asuncion e Ciudad del Este, sendo que os ônibus para CDE são os que servem para ir às Missões de Trinidad e Jesus de Tavarangue, as mais conhecidas pelos turistas, sendo consideradas Patrimônio Mundial da UNESCO. Ônibus com letreiro Bella Vista e Maria Auxiliadora também passam em Trinidad. Mas para as ruínas de San Cosme as saídas são bem menos frequentes, sendo necessários pesquisar mais.
Eu saí rumo a San Cosme desde Encarnacion no dia 2 de Janeiro. Descobrir como chegar lá não foi fácil. Eu havia pesquisado bastante a respeito e consegui ver que os horários de ônibus diretos a San Cosme eram as 9:15 e as 15:30, da empresa La Sancosmeña. De San Cosme a Encarnacion os horários são 07:30 e 14:00.
Além desses horários, dá para fazer baldeação na cidade de Coronel Bogado. Todos os ônibus entre Encarnacion e Asuncion passam nessa cidade. Há um ônibus circular que roda entre Bogado e San Cosme a cada duas horas mais ou menos.
Para quem vem da capital paraguaia, esse é o caminho, pegar qualquer ônibus para Encarnacion, descer e trocar de ônibus em Coronel Bogado. Para que vem de Ciudad del Este, é mais fácil conhecer primeiro as duas missões jesuíticas mais conhecidas (Trinidad e Jesus de Tavarangue) e depois seguir a San Cosme, com parada em Encarnacion, sendo que esse foi o meu caso.
Peguei o ônibus direto das 9:15, meio antigo mas com ar-condicionado ainda funcionando. Deu para perceber que ele estava acabando de chegar de lá, já que todo mundo dentro do ônibus desceu. O preço foi de 25 mil guaranis, que se paga já a bordo para um cobrador.
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Ônibus Encarnacion X San Cosme na Rodoviária de Encarnacion |
Depois de duas horas de viagem tranquila com poucos passageiros subindo e descendo, por estradas tranquilas e pavimentadas, o ônibus chegou em San Cosme. Depois de passar por uns bairros mais novos, ele chegou no ponto de ônibus em frente à Missão Jesuítica, onde eu desci.
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Ponto da Missão Jesuítica |
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Ponto da Missão Jesuítica |
É ao redor da Missão e da praça central da cidade onde se localizam a maioria das pousadas e pequenos restaurantes da cidade. Eu fiquei na pousada Stella Mary, que cobrou 80 mil guaranis pela noite (cerca de 50 reais), em um quarto amplo com ar-condicionado e TV, além de café da manhã.
Depois de deixar minhas coisas, comi uns biscoitos que tinha comigo e segui a pé até a base naval, que era de onde saíam os barcos para a duna, seguindo as direções indicadas pela dona da pousada, levando só uma toalha, água e um protetor solar. Deu uns 20 minutos caminhando por uma rua de terra que descia suave rumo à represa, baixo um sol forte, com placas nos postes indicando a direção para a base.
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Rua de caminho à base naval |
A cada poste havia placas indicando a direção para a base. Chegando lá, era necessário registrar o documento de identificação e pagar 60 mil guaranis pelo passeio. Quando cheguei não havia muita gente, mas rapidamente foram chegando cada vez mais turistas interessados pelo passeio. O necessário era ter um mínimo de 10 pessoas para o passeio sair, mas esse número foi rapidamente superado, até completar a capacidade máxima de 30 pessoas na embarcação.
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Barcos para as Dunas |
O barco saiu as 13:30. Era uma lancha rápida, com cobertura de lona em caso de chuva, o que não aconteceu. Todos os passageiros tiveram que vestir colete salva-vidas antes de entrar na lancha. A viagem demorou uma hora, pois a duna é bem afastada do litoral, a uns 7 quilômetros mais ou menos rio adentro. Havia momentos em que a represa tinha algumas ondas até grandes, e não era possível ver o outro lado dela. O grupo do passeio era composto por dois tripulantes e basicamente só paraguaios a bordo, em grandes famílias, falando guarani entre si muitas vezes, mas uma família era proveniente dos assentamentos menoítas do norte do país, um grupo social proveniente da Alemanha, sendo que eles só falavam em alemão entre eles!
Ver a imensa duna se erguendo isolada da represa foi muito bonito. Ela devia ter mais ou menos um quilômetro de perímetro e uns 10 metros de altura, com uma parte onde a vegetação consegue brotar e a outra de areia fina formando uma grande praia com ondas pequenas.
Ali deu para tomar um banho gostoso, embora a água estivesse meio quente. O vento era forte, mas não refrescava muito o calor intenso do sol. A vista do topo da duna é bem ampla, deu para se sentir pequeno frente à imensidão de água que a cerca por todos os lados.
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Vista da Duna |
Depois de duas horas ancorados, chegou a hora de zarpar de volta à terra firme. Na hora em que saímos outro barco chegava da base, também lotado de turistas. Pouco antes de atracar de volta na base, por volta das 16:30, ainda saiu um terceiro barco também cheio rumo às dunas.
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Barco rumo à Duna |
Depois de caminhar de volta à pousada e tomar um banho, mesmo cansado, fui visitar a Missão Jesuítica, que no verão ficava aberta até as 18:30. A vista começa pelo planetário, na praça em frente à entrada da Missão, onde o bilhete é comprado ou verificado. Eu havia comprado o meu dois dias antes, na Missão de Trinidad, custando 25 mil guaranis. Ele valia por até 72 horas após a primeira validação, para o conjunto inteiro de Trinidad, Jesus de Tavarangue e San Cosme y Damian.
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Planetário de San Cosme |
Depois, fui me unir à visita guiada que havia acabado de começar, com o guia explicando sobre como os padres jesuítas fundadores da Missão realizaram muitas pesquisas astronômicas naquela lugar, escrevendo alguns estudos pioneiros da observação estrelar no hemisfério sul. Depois, houve uma visita ao planetário em si, o único do Paraguai, sobre as observações realizadas ali periodicamente pelas universidades e centros de pesquisa do país, além de explicar as constelações e seus formatos.
Após o planetário, é que começou a vista à Missão Jesuítica. Trocou-se de guia, esse agora abordando os detalhes históricos da Missão, como data e período de construção (aberta em 1718), apontando os detalhes feitos pela mão-de-obra indígena como muitas referências à natureza nas pinturas e obras de arte presentes dentro da estrutura.
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Pinturas de natureza detalhando a antiga cobertura da Missão |
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Fonte de água com detalhes de natureza |
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Casa de indígenas |
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Antigo pórtico restaurado |
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Relógio Solar do Século XVIII |
A parte conservada ou recuperada consiste em uma outra parte do colégio, com o antigo relógio solar e uma cobertura de pilares original, com salas de ensino que serviam segundo o guia para ensinos de música, catequização e língua guarani para as crianças da comunidade. Também consiste na Igreja da Missão, com um amplo altar, dedicado ao Santos Cosme e Damião. Estavam presentes na igreja também várias outras obras sacras produzidas por mão de obra indígena.
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Altar aos Santos Cosme e Damião |
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Interior da Igreja |
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Exterior da Missão |
Foi uma visita muito interessante, realmente. Reparei que havia muito mais gente aqui do que em Trinidad ou Jesus, o que foi uma surpresa levando em conta que essa missão era supostamente a menos conhecida! Haviam até uns brasileiros também conhecendo a cidade. Jantei em um pequeno restaurante da praça, pagando humildes 12 mil guaranis por um espaguete com frango. Realmente o Paraguai é muito barato.
No dia seguinte, tomei café na pousada, fechei a conta e peguei o ônibus das 10:40 para Coronel Bogado, da empresa Perla del Sur, que parecia ter saído de um filme preto e branco de tão velho que era. Mas não houve nenhum problema, o preço da viagem foi de 10 mil guaranis, e em 45 minutos ele chegou na rodoviária da cidade de Coronel Bogado.
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Ônibus San Cosme X Coronel Bogado |
No final, gostei mais de San Cosme y Damian do que Trinidad e Jesus, cujas missões também são muito bonitas, e até mais imponentes que San Cosme. Mas ver a estrutura da Missão ainda tão bem preservada e disponível para a população, além de toda a estrutura disponível para o turista, foi o que me cativou em San Cosme, junto é claro do incrível passeio às dunas ilhadas.
Vale a pena incluir uma noite em San Cosme para quem está em Encarnacion. Se estiver de carro, dá para fazer bate-e-volta. Falar espanhol é uma grande mão na roda para os que viajam por essa região do Paraguai, e dá para testemunhar o guarani sendo usado pelos paraguaios com muito mais frequência do que nas grandes cidades.
Até o próximo post!
Em cada post busco também mapear o meu passo a passo realizado nas minhas viagens. Aqui abaixo está um aplicativo de mapas dos locais em que eu estive, onde é possível acompanhar as etapas da viagem.