sexta-feira, 21 de abril de 2017

Experiência nos transportes e na mobilidade em Medellin


Em 25 de Janeiro de 2017 tive a oportunidade de passar um dia inteiro na cidade de Medellin, cidade hoje muito aclamada pela sua estrutura e capacidade de inovação, principalmente levando em conta o seu passado turbulento.

Com cerca de 2 milhões de habitantes, a cidade se concentra no fundo de um longo vale no sentido norte-sul, com o Centro e os bairros mais ricos concentrados na parte mais baixa ao longo do Río Medellin, e os bairros mais carentes nas encostas mais altas do vale, algo bem parecido com o que acontece em muitas cidades brasileiras.

Biblioteca Parque España no bairro alto de Santo Domingo Savio

A cidade possui uma rede de transporte dividida em duas linhas de metrô de superfície, duas linhas de BRT, uma linha de VLT e cinco linhas de teleférico, havendo integração total entre o metrô e o teleférico; e parcial entre esses e BRT e/ou VLT, através do cartão inteligente de transporte, a Tarjeta Cívica.
Mapa de rede e esquema tarifário

Através dela, ainda é possível pegar uma bicicleta de aluguel nas várias estações disponíveis pela cidade, e usar a rede de ciclovias da cidade, que possui cerca de 41 quilômetros de extensão. Muitas dessas têm um horário fixo de uso (pela parte da manhã ou pela tarde) e são demarcadas por cones. Ainda há a rede de ônibus, sob o sistema SIT (Sistema Integrado de Transporte), que também aceita a Tarjeta Cívica.

Estação de bicicletas de aluguel na Plaza Mayor

Cada modal de transporte é operado por uma empresa limitada, e toda essa rede está sob a administração de um grande sistema metropolitano de transporte público conhecido como SITVA (Sistema de Transporte Masivo del Valle de Aburrá), que é responsável também pela definição de novos projetos e dos cálculos tarifários da rede, além da emissão de novas Tarjetas Cívicas.
Grafite junto à via do VLT

Porém, achei a Tarjeta Cívica difícil de obter. Ela só é adquirida em quatro estações de metrô, uma delas sendo a de San Antônio, em pleno Centro e no cruzamento das linhas de metrô e de VLT (seria o equivalente à estação Sé do metrô de São Paulo para eles), e o atendimento era muito demorado com uma fila muito extensa, fiquei 15 minutos sem sair do lugar. Como eu só tinha esse dia para rodar por Medellín, decidi deixar para fazer esse cartão em uma próxima viagem. Bem diferente de Bogotá, quando fiz o cartão inteligente Tullave, o atendimento foi bem ligeiro e era possível fazê-lo em qualquer dos grandes terminais de ônibus do Transmilenio (10 no total). Pena que não tinha sistema de aluguel de bike lá...

A solução foi se virar com os bilhetes unitários mesmo. O metrô, o BRT e os teleféricos são cheios de bilheterias, mas no VLT, a exemplo do que ocorre no do Rio de Janeiro, a venda de bilhetes é feita nas máquinas de autoatendimento, e que só aceitam dinheiro pelo que reparei. Outra diferença em relação ao VLT do Rio (mas semelhante ao VLT de Santos) são as estações fechadas, ou seja, há roletas para entrar e bloqueios entre a plataforma e o trem que só se abrem quando o trem estiver parado, para evitar os caloteiros.

VLT na Estação San José
Bloqueios na Estação San José
O VLT por lá é conhecido como TA (Tranvia de Ayacucho) e tem 6 quilômetros de extensão, saindo do Centro em direção leste, de onde se conecta com uma linha de teleférico.
Tranvia de Ayacucho (VLT) no Centro de Medellin


O metrô de Medellin tem 2 linhas de superfície que somam 32 quilômetros de extensão, e transporta cerca de 450 mil passageiros por dia. A linha A atravessa a cidade de norte a sul, boa parte seguindo  ao longo do rio Medellin e paralelo à uma via expressa (a exemplo da linha esmeralda da CPTM em São Paulo ao longo do Rio Pinheiros).
Linha A do Metrô de Medellín acompanhando o rio.

 Ao atravessar o Centro, no entanto, ela se torna elevada e se afasta do rio, atravessando o coração da cidade até voltar a beira do rio de novo. Ela atende a pontos importantes à moradores e turistas como o Parque Berrío, o bairro de El Poblado, a área do Parque Explora, a Universidade de Antioquia e ao Terminal Rodoviário Norte (ônibus vindos de Bogotá e Cartagena chegam aqui). A linha B vai do Centro à Oeste, atendendo ao Estádio Atanásio Giradot e a Plaza Mayor, onde há a Prefeitura, a sede do Governo de Antioquia e o Museu da Água.
Linha A do Metrô de Medellin passando no Parque Berrío (Centro)


O BRT de Medellín tem duas linhas, que atravessam a cidade no sentido leste-oeste, atendendo lugares como a Universidade de Medellín, Universidade de Antioquia, Hospital San Vicente de Paul (o maior da cidade) e a Plaza Mayor.

BRT da Linha 1 atendendo à estação Plaza Mayor. À direita estão as sedes de governo municipal e departamental
As estações são amplas e tem TVs que revelam o tempo de espera dos ônibus. A estação Industriales, de transferência com o metrô, tem uma larga área de espera com bancos e árvores.
Estação Industriales construída com maior área de espera, devido a ser uma estação de integração entre as duas linhas e com o metrô, recebendo um grande fluxo de pessoas.


Tempos de espera das linhas
A linha 1 do BRT segue completamente por vias separadas, enquanto que a linha 2 também segue por vias normais do Centro de Medellin, parando apenas em pontos específicos e só permitindo o embarque de passageiros que estiverem com a Tarjeta Cívica com saldo suficiente.
Ônibus BRT da Linha 2 no fluxo normal da Avenida Oriental, Centro de Medellín.


Os teleféricos de Medellín se localizam nas extremidades da rede, onde o vale dá lugar as encostas e os bairros mais altos da cidade. O teleférico permite realizar uma ligação mais rápida entre as partes baixa e alta, além de oferecer grandes visuais da cidade, sendo também uma atração turística.

Estação San Javier de conexão gratuita entre a Linha B do Metrô e a Linha J do Teleférico.
Há uma linha de teleférico da rede que é exclusiva para ir ao Parque Arví, no topo das montanhas, a um preço mais caro que as demais. As estações do teleférico nas partes altas são acompanhadas de serviços públicos como escolas, bibliotecas, centros de lazer e de apoio a população (como poupatempos), além de novos conjuntos habitacionais.
Estação Santo Domingo Savio da Linha K do Teleférico. Ao lado há escolas e a biblioteca Parque España

Linha J do Teleférico na área de Nuevo Occidente, composta de centros habitacionais do governo com hospital, biblioteca e escolas construídos ao redor da parada do teleférico.

A rede de ônibus tradicionais antiga completa o sistema. É composta na maioria das vezes de micro-ônibus com um funcionário berrando o itinerário e cobrando a passagem, mas é a única forma de se chegar ao Terminal Terrestre Sur (Rodoviária Sul) e ao Aeroporto Olaya Herrera, para vôos regionais. Ônibus executivos ligam ambas terminais (Norte e Sur) ao Aeroporto Internacional José Maria Cordova, no topo das montanhas e fora da área urbana, que é por onde chegam a maioria dos vôos à cidade.
Ônibus de Linha na Rodoviária Sul (Terminal Sur)


Achei o Centro de Medellín meio bipolar. Uma área dele se divide por muitas ruas estreitas, repletas de camelôs e de muito barulho de tráfego e de pessoas por todos os lados. No coração dessa área está o Parque Berrío, a praça central da cidade, com as esculturas das obras de Fernando Botero e o Museu de Antioquia.
Museu de Antioquia e esculturas de Botero
Já a outra área do Centro engloba o grande complexo da Plaza Mayor, extensa, aberta, moderna e bem mais amigável, com as sedes de governo municipal e departamental, junto com forum, biblioteca, centro cultural e museus.


Museo del Agua

Parque de Los Pies Dezcalzos
Outra área agradável e frequentada pelos visitantes é a área da Universidade de Antioquia, no lado norte do Centro, que engloba shopping center, planetário, Casa da Música, Jardim Botânico e o Parque Explora, um grande museu de ciências. Tudo isso interligado entre si e com a estação Universidades do Metrô no meio.

Piso de imagem aérea no Parque Explora
Me hospedei no bairro El Poblado, na zona sul, que tem uma boa variedade de mercados (inclusive um hipermercado), shopping, uma praça com vários restaurantes e com vida noturna, e com uma estação de metrô. É cheio de opções de acomodação de vários graus diferentes, desde hostels a hotéis cinco estrelas.

Vista para o bairro de El Poblado

A minha opinião final é que a rede de transportes em Medellin fornece uma boa conectividade entre os diferentes bairros, sob diferentes formas, cujo crescimento foi parte de um objetivo mais amplo de transformar a cidade em um espaço mais acessível.
Terminal Sur 


Dá para ver o contraste em pleno Centro da cidade, das diferentes formas de produzir a cidade localizadas uma ao lado da outra. O mesmo ocorre com o transporte, onde o velho sistema de ônibus com pouca regulação convive junto a densa rede integrada, cuja extensão trouxe não apenas maior mobilidade dentro da cidade, mas também maior acessibilidade à serviços e à segurança pública em áreas mais afastadas, contribuindo para melhorar a qualidade de vida.
Terminal Norte

 O exemplo de Medellin serviu de inspiração para a rede de teleféricos de La Paz na Bolívia e do Rio de Janeiro. Mas a impressão que fica é que na Colômbia os projetos foram sendo tocados com continuidade e com um projeto elaborado (só para focar nos transportes, a expansão começou há 20 anos com a inauguração do metrô em 1997, os teleféricos em 2004, o BRT em 2011 e o VLT em 2016). Por outro lado, não foi esse o caso do Rio, onde os teleféricos foram construídos rapidamente sem estarem definidos os operadores, sem regras de integração com os outros teleféricos e que não foram acompanhados de serviços públicos. Não é a toa que hoje as duas linhas dos teleféricos cariocas estão com a operação parada, com denúncias de corrupção rolando soltas nas obras e contratos.

Até a próxima!