Só a chegada na capital boliviana é algo que já faz a viagem valer a pena, a sensação de se avistar aquela cidade tão extensa em um lugar tão alto, encaixada numa paisagem árida entre vales e montanhas e ao longe ladeada por imensos nevados imponentes, parece mesmo uma espécie de fronteira do espaço habitável, um lugar no limite de onde a natureza permite que a vida se desenvolva.
Os vales e desfiladeiros que abrigam boa parte da cidade de La Paz parecem protegê-la do ambiente inóspito nos arredores, mas não inóspito o suficiente para evitar a ocupação urbana desordenada. É na periferia de El Alto, espalhada pelo altiplano e em encostas a uma altitude de 4000 metros, exposta ao vento, ao frio e ao ar rarefeito, que reside quase metade da população paceña, e é também a principal porta de entrada e saída da La Paz, abrigando o Aeroporto Internacional e a chegada da maior parte das rodovias que partem da cidade, seguindo para Cochabamba, Santa Cruz, Potosi, Sucre, Uyuni, Copacabana, Lago Titicaca, Peru e Argentina. Ou seja, a recepção em La Paz é sempre feita por El Alto, ou seja, por cima!
Vamos ao relato da viagem depois do reveillón molenga de Cochabamba:
Dia 01/01
Fizemos check-out do hostal Zabidi e voltamos ao Terminal de Ônibus, a duas quadras dali. O café foi alguns biscoitos de viagem. Embarcamos para La Paz as 10 da manhã na viação Bolivar, operada por um ônibus da empresa Trans Gaivotas, por 80 Bolivianos (45 reais). O ônibus era meio antigo, mas com boas poltronas leito e sem ar-condicionado, mas ali no frio de altitude isso não fez diferença.
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Terminal de Buses de Cochabamba |
Ainda no vale de Cochabamba, na periferia da cidade, ele parou em mais uns dois escritórios da empresa para embarcar passageiros, no primeiro pedágio da estrada enquanto o ônibus esperava na fila vieram várias mulheres vendendo pratos embalados de frango asado com arroz e salada por 15 bolivianos (8 reais), e como não tinha tomado café direito e tava com fome, resolvi comprar e almoçar ali mesmo, a bordo do buzão.
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Frango assado com arroz e salada embalado e vendido na beira de estrada |
A primeira parte da viagem se dá na maior parte em uma subida muito sinuosa e próxima a precipícios, em umas montanhas bem secas, com cactos brotando aqui e ali.
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Paisagem do Vale de Cochabamba |
Pelo caminho já começaram a aparecer as lhamas e alpacas, pastando em quintais cercados por muros de pedras e algumas construções de adobe e barro, da cor cinzenta da montanhas ao redor.

Depois de umas 5 horas de viagem a paisagem muda de repente e a estrada entra no famoso altiplano, uma vasta área plana no meio da cordilheira, e o enjôo das curvas passa. Mais uns 15 minutos o ônibus para em El Caracollo, uma cidade mais movimentada onde alguns passageiros descem e depois entra na única autoestrada do país, que liga La Paz a cidade de Oruro, atravessando o altiplano e muitas vilas rurais no caminho, relativamente nova e em bom estado, a partir dali a viagem fica bem mais tranquila.
A última hora da viagem é a com os melhores visuais. A medida em que nos aproximamos de La Paz começa a aparecer a direita e na frente do ônibus uma grande linha da Cordilheira dos Andes chamada de Cordillera Real, com vários picos nevados, o maior e o mais destacado deles é o Illimani, com 6430 metros, e o que estava mais próximo da rodovia.

Em El Alto foi onde a maioria dos passageiros desceu, em uma rua que serve como terminal de ônibus. É uma cidade bastante movimentada, mesmo no dia primeiro de Janeiro.
A rodovia entre El Alto e La Paz é por si só uma atração. Assim que ela começa a descer em direção a La Paz 400 metros desfiladeiro abaixo há um grande visual a direita da cidade com o Monte Illimani ao fundo, sendo o principal cartão-postal da cidade.
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La Paz |
As 17:00 o ônibus parou em frente ao Terminal de ônibus, fechado por ser 1º de Janeiro (aí foi quando eu pensei que devia ser um feriado ainda mais especial na cidade, afinal é o dia mundial da paz, em La Paz).
Me despedi do Lucas e do Mychel e fui para o hostel Copacabana, não muito longe do Terminal. Pelo menos não tive que subir ladeira, o que faz toda a diferença. O quarto era cômodo embora um pouco pequeno, sinal de wifi bom, cama larga e com banheiro privativo com água quente no chuveiro (demorava uns minutos para esquentar, mas não vacilava) por 85 bolivianos a diária (cerca de 48 reais), e com o café da manhã incluso.
Depois de umas duas horas descansando fui dar um giro pela cidade.
Primeiras experiências e observações de La Paz:
O hostal fica na Avenida Illampu, cheia de comércio, restaurantes e agências de turismo, com um trânsito meio caótico e cheia de ambulantes, principalmente em uma rotatória próxima ao hotel, parecia um ponto convergente do caos.
O aroma daquela região da cidade é uma mistura de vários fatores:
-O cheiro de frutas que são vendidas nas barracas ou no caso de laranjas espremidas na hora para fazer suco
-O cheiro de poluição e fuligem dos carros e dos ônibus velhos
-O cheiro de óleo de fritura das barraquinhas de frango frito e hamburguesas.
-O cheiro de lixo acumulado aqui e ali nas calçadas e no meio-fio.
A população indígena é predominante na área, com muitas cholas carregando seus sacos ou servindo como ambulantes vendendo de tudo desde frutas, tecidos andinos até roupas de grife made in China e eletrônicos, e com muitos mendicando ao meio-fio, especialmente crianças e idosos . Pode ser um choque e tanto para quem nunca saiu do Brasil antes, mas já tinha outras experiências na América Latina aliviaram um pouco esse impacto, mas até ali era inegável que a Bolívia era até o momento o país mais pobre que já havia visitado.
Mas mesmo assim, vi alguns bons sinais de infra-estrutura de qualidade na minha viagem. O asfalto das ruas era bem-conservado, haviam equipes de limpeza e lixeiras nas ruas (também deve ter algum fator cultural em jogar o lixo na rua), além de sinais de classe média e de consumo como muitos serviços mais especializados como dentistas, cirurgias de estética, cursos de linguística, de graduação, pós-graduação, tecnologia e muitas lanhouses e pontos de wifi livre, e muita gente com um celular na mão, inclusive os de aparência mais rústica.
Há muitos turistas estrangeiros também, além de brasileiros e outros sul-americanos. Percebi em muitos grupos de europeus (principalmente franceses, ingleses e italianos), canadenses e estadunidenses, e até alguns asiáticos. Muitos vem em pacotes de tamanho variado que incluem Peru e Bolívia, passando por La Paz, Lago Titicaca, Cusco, Machu Picchu, Lima, Nazca, Arequipa, Atacama, Uyuni, Potosi, Sucre, Amazônia, dependendo da duração do roteiro e dos valores.
Perto do hotel há o Mercado de Las Brujas, uma rua estreita cheia de lojas de artesanato, tecidos de lhama e alpaca e de ervas e temperos exóticos, mas naquela hora já estavam fechando as portas. Desci pela Calle Sagarnaga, outra cheia de agências de turismo, até atingir a Plaza Mayor de San Francisco, na parte mais baixa do Centro, com uma Igreja do período colonial de fachada bem bonita. É uma praça bem movimentada, cheia de artistas de rua e de vendedores. Segui para o outro lado do Centro, até a Plaza Murillo, a antiga Plaza de Armas da cidade, com o Palácio del Gobierno Boliviano, a prefeitura de La Paz e a Catedral Metropolitana. É uma praça bonita, ajardinada, e na época com uma decoração de natal chamativa, com muitas crianças correndo pra lá e pra cá.
Jantei em um Subway a duas quadras dali e voltei para o hostel.
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Plaza Murillo |
Na próxima postagem falo mais a respeito de La Paz, sobre sua geografia, as atrações turísticas que fui e de seu sistema de transporte. Até mais!